Ao Editor,
Lemos com muito interesse o artigo: Custo-Efetividade do Emprego do Escore de Cálcio Coronariano na Orientação para Terapia na Prevenção Primária, na População Brasileira . O estudo objetivou avaliar o custo-efetividade do emprego do escore de cálcio na orientação terapêutica para a prevenção primária cardiovascular. As análises foram feitas com base nos dados populacionais do Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis (MESA), uma coorte composta de 6.814 participantes de diversos centros de estudos dos Estados Unidos. 1 As inferências feitas pelos autores são importantes, sobretudo no que tange a identificar fatores relacionados à farmacoeconomia na prevenção de doenças cardiovasculares. Contudo, identificamos que as condutas sugeridas mediante o uso do escore de cálcio (EC) para definir o uso ou não de estatinas pode levar ao viés do tipo atrito, pois há situações clínicas que são necessários mais estudos de imagens sobre o acometimento da estrutura vascular, sobretudo das coronárias para que se consiga definir as condutas posteriores.
É sabido que o comportamento dos segmentos vasculares, sobretudo, arterial, não segue uma regra em diversas doenças, como na hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus (DM), doença renal crônica (DRC) dialítica e não-dialítica, dislipidemias e obesidade. Assim, percebe-se que a estratificação de risco para indicar a prescrição de estatinas ou a realização do EC pode ter sofrido viés de seleção. Outrossim, de acordo com a literatura, há indícios que indivíduos com moderado ou alto risco cardiovascular que apresentaram EC zero, ainda assim, tinham componentes importantes que levavam a alterações vasculares graves, aumentando o risco cardiovascular. Logo, é de grande valia que se investigue as alterações encontradas não só na presença de calcificações vasculares, pois no estudo de Nurmohamed et al. 2 fica claro que há a necessidade de investigar o acometimento vascular antes mesmo da presença de placas calcificadas.
Assim, o EC apenas indica uma estimativa da quantidade de placa aterosclerótica presente, desde que esta contenha pontos de calcificação, não importando o comprometimento da luz vascular. Diante disso, acreditamos que seria imprescindível o uso de uma tecnologia diagnóstica que pudesse ser utilizada para avaliar o comprometimento vascular sem necessitar da presença de calcificações para detectar tais alterações. Desse modo, a angiotomografia de coronárias (ATCC) objetiva não identificar as placas calcificadas, mas consegue mensurar o grau de obstrução do lúmen vascular promovida pela placa aterosclerótica.
Nesse sentido, o estudo de Gabriel et al. 3 avaliou a frequência de placa aterosclerótica coronária, assim como seu grau de obstrução e fatores associados em pacientes com EC zero com indicação clínica de ATCC. Em um total de 367 indivíduos, foi encontrada uma frequência de placa aterosclerótica nas coronárias de 9,3%; IC95%, 6,3 – 12,3. Diante disso, levando em consideração o fluxograma proposto pelos autores do artigo em tela e aplicando-o à população deste estudo, 2 teríamos 34 indivíduos que não estariam em uso de estatina. Logo, poderíamos agravar o risco cardiovascular desses indivíduos, pois a lesão aterosclerótica poderia continuar em desenvolvimento e inferir mais risco de lesão isquêmica cardíaca.
Referências
- 1.Gottlieb I. Cost-Effectiveness of Using the Coronary Calcium Score to Guide Therapeutic Decisions in Primary Prevention in the Brazilian Population. 10.36660/abc.20220293Arq Bras Cardiol. 2022;118(6):1132–1133. doi: 10.36660/abc.20220293. [DOI] [PMC free article] [PubMed] [Google Scholar]
- 2.Nurmohamed NS, Cantlay C, Sidahmed A, Choi AD. Refining Cardiovascular Risk: Looking Beneath the Calcium Surface. 10.36660/abc.20220763Arq Bras Cardiol. 2022;119(6):921–922. doi: 10.36660/abc.20220763. [DOI] [PMC free article] [PubMed] [Google Scholar]
- 3.Gabriel FS, Gonçalves LFG, Melo EV, Sousa ACS, Pinto IMF, Santana SMM, et al. Atherosclerotic Plaque in Patients with Zero Calcium Score at Coronary Computed Tomography Angiography. 10.5935/abc.20180063Arq Bras Cardiol. 2018;110(5):420–427. doi: 10.5935/abc.20180063. [DOI] [PMC free article] [PubMed] [Google Scholar]
