Skip to main content
Arquivos Brasileiros de Cardiologia logoLink to Arquivos Brasileiros de Cardiologia
editorial
. 2023 Jan 31;120(1):e20220878. [Article in Portuguese] doi: 10.36660/abc.20220878
View full-text in English

Revisitando o Intervalo QT: Um Antigo Marcador para uma Nova Doença?

Luiz Eduardo Montenegro Camanho 1
PMCID: PMC10389110  PMID: 36790307

A infecção pelo SARS-Cov-2 (Covid-19) teve seus primeiros casos relatados em dezembro de 2019 na China e rapidamente se alastrou pelo mundo, sendo anunciada como pandemia em março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde. As manifestações respiratórias são as clássicas, porém, as complicações cardiovasculares podem ocorrer por um comprometimento cardíaco indireto ou por uma ação direta do vírus no tecido miocárdico. Como consequência podemos encontrar insuficiência cardíaca, miocardite, arritmias e choque cardiogênico. 1

O intervalo QT, medido do início do complexo QRS até o final da onda T, representa o processo de despolarização e repolarização ventricular, e varia com a frequência cardíaca. Os valores normais do intervalo QT corrigido (QTc) seriam ≥ 450 ms em homens e ≥ 460 ms em mulheres. O prolongamento do intervalo QTc ≥ 500 ms está fortemente associado a ocorrência de arritmias malignas e morte súbita. A cada 10 ms de incremento do intervalo QTc há um aumento de 5 a 7% do risco de ocorrência de torsade de Pointes(TdP) e a cada 20 ms há um risco iminente substancial. 2

A síndrome do QT longo adquirido está classicamente relacionada a prescrição de drogas e distúrbios eletrolíticos associados, 3 além de diversos outros fatores clínicos e comorbidades, tais como, idade, sexo, cardiomiopatias em geral, pós-infarto do miocárdio, sangramento intracraniano, diabetes, hipogonadismo, doença pulmonar crônica, entre outras. 4 - 7

No entanto, o prolongamento do intervalo QTc como fator de risco isolado e marcador de mortalidade a curto e longo prazo, já foi amplamente estudado e descrito em diversas situações clínicas.

Ko et al. demonstraram uma série de 408 pacientes consecutivos submetidos a transplante hepáticoem que pode se observar um prolongamento do QTc em 70,9% dos pacientes no período pré-transplante, com aumento expressivo no pós-operatório imediato em 20% dos indivíduos. Entretanto, estes achados não se correlacionaram com a taxa de complicações ou mortalidade a longo prazo, com resolução eletrocardiográfica na grande maioria dos casos. Os autores sugerem que o prolongamento do intervalo QTc seja uma característica eletrofisiológica da cardiomiopatia cirrótica e, a sua normalização, um componente reversível desta condição. 8 , 9

A doença cardiovascular é principal causa de morbidade e mortalidade nos indivíduos portadores de insuficiência renal crônica, conforme uma recente revisão sobre o assunto. A despeito das diversas alterações encontradas no estágio final da doença renal e que contribuem para o surgimento do QT longo e subsequente risco de TdP, os autores sugerem que o prolongamento do QTc, nesta condição, é um fator de risco independente para morte súbita e mortalidade por todas as causas. 10

Hohneck et al. analisaram 105 pacientes com síndrome de Takotsubo que foram divididos em dois grupos: QT longo (69,5%) e QT normal (30,5%), seguidos por um tempo médio de 4,2 anos. A ocorrência de arritmias malignas durante os 30 dias iniciais foi similar em ambos os grupos (10,9% vs. 12,5%), mas a partir da análise multivariada, os autores concluem que o prolongamento do intervalo QTc na admissão hospitalar é um preditor negativo independente para desfechos desfavoráveis associados a esta condição. 11

Em um elegante estudo, Gibbs et al. descreveram a mortalidade entre 30 dias e 3 anos de 980 pacientes internados em um hospital geral com QTc ≥500 ms comparado com 980 pacientes com intervalo QTc < 500 ms, por causas clínicas diversas e já ajustado para idade, sexo, index Charlson, admissão prévia e diagnóstico principal. Os autores concluem que o QTc ≥ 500 ms é um importante preditor de mortalidade a curto prazo e, que a longo prazo, as comorbidades encontradas sejam o fator principal relacionado a taxa de mortalidade geral. 12

No cenário da infecção por Covid-19, o prolongamento do intervalo QTc já foi amplamente apresentado. Dentre os fatores clínicos mais importantes e associados estão a idade mais avançada, sexo feminino, distúrbios eletrolíticos e interações farmacológicas. Vale ressaltar que a polifarmácia é um item importante neste cenário clínico e deve ser sempre uma preocupação pelos riscos iminentes de TdP e morte súbita associada. 13 , 14

Nesta revista, Barbosa et al. apresentaram os resultados de um estudo observacional que envolveu uma expressiva coorte retrospectiva de 1.296 pacientes admitidos em hospital terciário com o diagnóstico de infecção por SARS-Cov-2 no período de março de 2020 a 31 de julho de 2021. 15 Destes, 127 (9,8%) apresentaram intervalo QTc prolongado. A mortalidade e o tempo de permanência hospitalar forammaiores neste grupo quando comparados aos indivíduos com QTc normal. Na análise multivariada, houve associação significativa entre mortalidade e prolongamento do intervalo QTc, após controle para idade, sexo masculino, doença renal e índice de comorbidade de Charlson >3. As comorbidades associadas ao aumento da mortalidade foram: hipertensão arterial sistêmica, doença renal, DPOC e Charlson >3.

Os autores concluíram então que a mortalidade hospitalar por SARS-Cov-2 está associada ao prolongamento do intervalo QTC na admissão.

O desenho da pesquisa e a proposta dos autores não são inéditos, muito pelo contrário. Já há muitos anos o prolongamento do intervalo QTc vem sendo estudado como um marcador de risco cardiovascular a curto e longo prazo. Entretanto, o presente estudo traz informação relevante no cenário de uma nova doença que se apresenta com tantos desafios clínicos. A despeito da tão esperada redução nos casos graves de Covid-19 observada nos últimos meses, os dados apresentados nos fazem refletir sobre a necessidade de revisitar um velho e simples marcador (intervalo QTc), que nos auxilie a identificar subgrupos de pior evolução em uma doença potencialmente grave. Marcadores de gravidade são sempre bem-vindos na prática clínica.

Footnotes

Minieditorial referente ao artigo: O Prolongamento do Intervalo QTc na Admissão está Associado ao Aumento da Mortalidade em Pacientes com SARS-COV-2 durante a Hospitalização

Referências

  • 1.Armstrong ADC, Santos LG, Leal TC, Paiva JPS, Silva LFD, Santana GBA, Rocha, et al. In-Hospital Mortality from Cardiovascular Diseases in Brazil during the First Year of The COVID-19 Pandemic. Arq Bras Cardiol . 2022;119(1):37–45. doi: 10.36660/abc.20210468.. [DOI] [PMC free article] [PubMed] [Google Scholar]
  • 2.Johnson JN, Ackerman MJ. QTc: How Long is Too Long? Br J Sports Med . 2009;43(9):657–662. doi: 10.1136/bjsm.2008.054734. [DOI] [PMC free article] [PubMed] [Google Scholar]
  • 3.Meid AD, Bighelli I, Mächler S, Mikus G, Carrà G, Castellazzi M, al ET. Combinations of QTc-prolonging Drugs: Towards Disentangling Pharmacokinetic and Pharmacodynamic Effects in Their Potentially Additive Nature. Ther Adv Psychopharmacol . 2017;7(12):251–264. doi: 10.1177/2045125317721662. [DOI] [PMC free article] [PubMed] [Google Scholar]
  • 4.Schlit AF, Delaunois A, Colomar A, Claudio B, Cariolato L, Boev R, et al. Risk of QT Prolongation and Torsade de Pointes Associated with Exposure to Hydroxyzine: Re-Evaluation of an Established Drug. Pharmacol Res Perspect . 2017;5(3):e00309. doi: 10.1002/prp2.309. [DOI] [PMC free article] [PubMed] [Google Scholar]
  • 5.Salem JE, Bretagne M, Lebrun-Vignes B, Waintraub X, Gandjbakhch E, Hidden-Lucet F, et al. Clinical Characterization of Men with Long QT Syndrome and Torsades de Pointes Associated with Hypogonadism: A Review and Pharmacovigilance Study. Arch Cardiovasc Dis . 2019;112(11):699–712. doi: 10.1016/j.acvd.2019.06.008. [DOI] [PubMed] [Google Scholar]
  • 6.Frommeyer G, Eckardt L. Drug-Induced Proarrhythmia: Risk Factors and Electrophysiological Mechanisms. Nat Rev Cardiol . 2016;13(1):36–47. doi: 10.1038/nrcardio.2015.110. [DOI] [PubMed] [Google Scholar]
  • 7.Ninkovic VM, Ninkovic SM, Miloradovic V, Stanojevic D, Babic M, al Giga ET. Prevalence and risk Factors for Prolonged QT Interval and QT Dispersion in Patients with Type 2 diabetes. Acta Diabetol . 2016;53(5):737–744. doi: 10.1007/s00592-016-0864-y. [DOI] [PMC free article] [PubMed] [Google Scholar]
  • 8.Ko J, Koshy AN, Han HC, Weinberg L, Gow P, Testro A, et al. Effect of Liver Transplantation on QT-interval Prolongation and Impact on Mortality. Int J Cardiol . 2021;326:158–163. doi: 10.1016/j.ijcard.2020.11.017. [DOI] [PubMed] [Google Scholar]
  • 9.Koshy AN, Gow PJ, Han HC, Teh AW, Jones R, Testro A, et al. Cardiovascular Mortality Following Liver Transplantation: Predictors and Temporal Trends over 30 Years. Eur Heart J Qual Care Clin Outcomes . 2020;6(4):243–253. doi: 10.1093/ehjqcco/qcaa009. [DOI] [PubMed] [Google Scholar]
  • 10.Liu P, Wang L, Han D, Sun C, Xue X, Li G. Acquired Long QT Syndrome in Chronic Kidney Disease Patients. Ren Fail . 2020;42(1):54–65. doi: 10.1080/0886022X.2019.1707098. [DOI] [PMC free article] [PubMed] [Google Scholar]
  • 11.Hohneck A, El-Battrawy I, Lang S, Ansari U, Schramm K, Zhou X, Borggrefe M, et al. Protective Effect of Acquired Long QT syndRome in Takotsubo Syndrome. Intern Med J . 2019;49(6):770–776. doi: 10.1111/imj.14169. [DOI] [PubMed] [Google Scholar]
  • 12.Gibbs C, Thalamus J, Kristoffersen DT, Svendsen MV, Holla ØL, Heldal K, et al. QT Prolongation Predicts Short-Term Mortality Independent of Comorbidity. Europace . 2019;21(8):1254–1260. doi: 10.1093/europace/euz058. [DOI] [PMC free article] [PubMed] [Google Scholar]
  • 13.Schiavone M, Gasperetti A, Gherbesi E, Bergamaschi L, Arosio R, Mitacchione G, et al. Arrhythmogenic Risk and Mechanisms of QT-Prolonging Drugs to Treat COVID-19. Card Electrophysiol Clin . 2022;14(1):95–104. doi: 10.1016/j.ccep.2021.10.009. [DOI] [PMC free article] [PubMed] [Google Scholar]
  • 14.Sacilotto L, Olivetti NQS, Pisani CF, Wu TC, Hajjar LA, Melo SL, et al. Peculiar Aspects of Patients with Inherited Arrhythmias during the COVID-19 Pandemic. Arq Bras Cardiol . 2021;117(2):394–403. doi: 10.36660/abc.20200391. [DOI] [PMC free article] [PubMed] [Google Scholar]
  • 15.Barbosa S, Muñoz OM, Cañas A, Garcia AA. O Prolongamento do Intervalo QTc na Admissão está Associado ao Aumento da Mortalidade em Pacientes com SARS-COV-2 durante a Hospitalização. Arq Bras Cardiol . 2023;120(1):e20220155. doi: 10.36660/abc.20220155. [DOI] [PMC free article] [PubMed] [Google Scholar]
Arq Bras Cardiol. 2023 Jan 31;120(1):e20220878. [Article in English]

Revisiting the QT Interval: An Old Marker for a New Disease?

Luiz Eduardo Montenegro Camanho 1

The SARS-Cov-2 (Covid-19) infection had its first cases reported in December 2019 in China and quickly spread worldwide, being announced as a pandemic in March 2020 by the World Health Organization. Respiratory manifestations are classic; however, cardiovascular complications can occur due to an indirect cardiac involvement or a direct action of the virus in the myocardial tissue. Consequently, we can find heart failure, myocarditis, arrhythmias, and cardiogenic shock. 1

The QT interval, measured from the beginning of the QRS complex to the end of the T wave, represents the process of ventricular depolarization and repolarization and varies with heart rate. Normal values for the corrected QT interval (QTc) would be≥450 ms in men and≥460 ms in women. Prolongation of the QTc interval≥500 ms is strongly associated with the occurrence of malignant arrhythmias and sudden death. Every 10 ms of QTc interval increment, there is a 5 to 7% increase in the risk of torsade de Pointes (TdP); every 20 ms, there is a substantial imminent risk. 2

Acquired long QT syndrome is classically related to prescription drugs and electrolyte disturbances associated, 3 in addition to several other clinical factors and comorbidities, such as age, gender, cardiomyopathies in general, post-myocardial infarction, intracranial bleeding, diabetes, hypogonadism, chronic lung disease, among others. 4 - 7

However, QTc interval prolongation as an isolated risk factor and marker of short- and long-term mortality has already been widely studied and described in several clinical situations.

Ko et al. demonstrated a series of 408 consecutive patients undergoing liver transplantation in which QTc prolongation was observed in 70.9% of patients in the pre-transplantation period, with a significant increase in the immediate postoperative period in 20% of individuals. However, these findings did not correlate with complications or long-term mortality rate, with electrocardiographic resolution in the vast majority of cases. The authors suggest that prolonging the QTc interval is an electrophysiological characteristic of cirrhotic cardiomyopathy, and its normalization is a reversible component of this condition. 8 , 9

According to a recent review, cardiovascular disease is the main cause of morbidity and mortality in individuals with chronic renal failure. Despite the various alterations found in end-stage renal disease that contribute to the onset of long QT and subsequent risk of TdP, the authors suggest that QTc prolongation, in this condition, is an independent risk factor for sudden death and mortality for all causes. 10

Hohneck et al. analyzed 105 patients with Takotsubo syndrome divided into two groups: long QT (69.5%) and normal QT (30.5%), followed for a mean time of 4.2 years. The occurrence of malignant arrhythmias during the initial 30 days was similar in both groups (10.9% vs. 12.5%). However, from the multivariate analysis, the authors conclude that QTc interval prolongation on hospital admission is an independent negative predictor for unfavorable outcomes associated with this condition. 11

In an elegant study, Gibbs et al. described the 30-day to 3-year mortality of 980 patients admitted to a general hospital with QTc≥500 ms compared to 980 patients with QTc interval<500 ms, due to different clinical causes and already adjusted for age, sex, Charlson index, previous admission, and main diagnosis. The authors conclude that the QTc≥500 ms is an important predictor of mortality in the short term and, in the long term, the comorbidities found are the main factor related to the overall mortality rate. 12

In the scenario of Covid-19 infection, QTc interval prolongation has already been widely presented. Among the most important and associated clinical factors are older age, female gender, electrolyte disturbances, and pharmacological interactions. It is noteworthy that polypharmacy is an important item in this clinical scenario and should always be a concern due to the imminent risks of TdP and associated sudden death. 13 , 14

In this journal, Barbosa et al. presented the results of an observational study that involved a significant retrospective cohort of 1,296 patients admitted to a tertiary hospital with a diagnosis of SARS-Cov-2 infection from March 2020 to July 31, 2021. 15 Of these, 127 (9, 8%) had a prolonged QTc interval. Mortality and length of hospital stay were higher in this group compared to individuals with normal QTc. In the multivariate analysis, there was a significant association between mortality and QTc interval prolongation after controlling for age, male gender, renal disease, and Charlson comorbidity index>3. Comorbidities associated with increased mortality were: systemic arterial hypertension, kidney disease, COPD, and Charlson>3.

The authors then concluded that in-hospital mortality from SARS-Cov-2 is associated with prolongation of the QTC interval on admission.

The research design and the authors’ proposal are not unprecedented, quite the contrary. QTc interval prolongation has been studied for many years as a marker of cardiovascular risk in the short and long term. However, the present study brings relevant information in the context of a new disease that presents many clinical challenges. Despite the long-awaited reduction in severe cases of Covid-19 observed in recent months, the data presented make us reflect on the need to revisit an old and simple marker (QTc interval), which helps us to identify subgroups with worse evolution in a potentially serious illness. Gravity markers are always welcome in clinical practice.

Footnotes

Short Editorial related to the article: Prolongation of the QTc Interval at Admission is Associated with Increased Mortality in Patients with SARS-COV-2 during Hospitalization


Articles from Arquivos Brasileiros de Cardiologia are provided here courtesy of Sociedade Brasileira de Cardiologia

RESOURCES