A fibrilação atrial (FA) é um distúrbio comum do ritmo cardíaco frequentemente identificado durante a progressão da sepse.
Sua prevalência aumenta na população geral com a idade, chegando a 18% nos idosos acima de 85 anos. 1
Pacientes com FA apresentam pior qualidade de vida, maior risco de desenvolver insuficiência cardíaca (IC), acidente vascular cerebral, declínio cognitivo, depressão, maior número de internações e maior taxa de mortalidade do que aqueles sem FA. 2
A sepse é a principal causa de morte em unidades de terapia intensiva (UTI). Segundo o Latin American Institute for Sepsis Studies (ILAS), a sepse afeta de 20 a 30 milhões de pessoas em todo o mundo. 3 No Brasil, 1000 pessoas morrem por hora, e a taxa de ocupação da UTI é de 25%, com taxa de mortalidade de 28%-54%. 3 Segundo o Estudo Epidemiológico de Sepse no Brasil (BASES), um estudo de coorte multicêntrico realizado em 5 UTIs de hospitais públicos e privados brasileiros, a incidência de sepse é de 57,9 por 1.000 pacientes-dia (IC 95% 51,5-65,3). 4
Revisões sistemáticas, com metanálise, avaliaram 225.841 pacientes com fibrilação atrial de início recente (NOAF) na presença de sepse. Uma correlação positiva foi encontrada entre sepse, mau prognóstico e aumento da mortalidade. Em comparação com pacientes sem FA, maior taxa de recorrência de FA, maior tempo de internação em UTI/hospitais e, consequentemente, aumento de custos. 5 - 8 Uma revisão sistemática recente, com metanálise desenvolvida por Corica et al., 9 mostrou que a NOAF é comumente encontrada durante a sepse, estando presente em 1 em cada 7 indivíduos. Pacientes com FA têm maior risco de eventos adversos durante a sepse e necessitam de terapias específicas. 9
Devido ao aumento da gravidade dos pacientes, o aparecimento da FA pode ser um divisor de águas/ponto de viragem entre a vida e a morte.
O estudo AFSEMA evidenciou que a FA aumentou a mortalidade hospitalar dos pacientes em uma taxa de 34,1%. 10 O estudo revelou fatores de risco (FR) para FA, como insuficiência cardíaca com FA prévia e achados ecocardiográficos com aumento do átrio esquerdo e redução da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (ICFEr). Além disso, valores mais elevados do escore Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) e maior risco de arritmias, além de níveis elevados de proteína C-reativa, reforçam a hipótese de que a inflamação é um gatilho essencial para a FA. 10
Embora a FA esteja associada a pacientes com condições clínicas de alta gravidade durante a doença crítica, essa arritmia parece aumentar a gravidade da sepse, per se, como variável independente. A predição precoce de FA durante a sepse permitiria testar intervenções na UTI para preveni-la e evitar complicações. 11
Outra revisão sistemática, com metanálise, analisou FRs para NOAF em pacientes com sepse. Os dados revelaram que as arritmias atriais de início recente estão associadas à sepse aguda e não são FR para FA associada à comunidade. 12 Outros fatores de risco relevantes para FA que devem ser considerados são doenças cardíacas pré-existentes (doença arterial coronariana, aterosclerose subclínica, valvulopatias, cardiomiopatias, obesidade, diabetes, hipertensão, apneia do sono, hipertireoidismo subclínico, dislipidemia, tabagismo, alcoolismo, sedentarismo), fatores relacionados à IC ou ICFEr, doença pulmonar obstrutiva crônica, doença renal crônica e a gravidade da doença sepse per se. Além disso, o envelhecimento masculino, a raça e os fatores genéticos são considerados FR independentes. 1 , 10 , 13
A etiologia da FA é multifatorial e pode ser desencadeada por fatores que perturbam a condução elétrica cardíaca normal, como hipocalemia, hipomagnesemia e hipovolemia, além de alterações na atividade parassimpática e simpática, levando focos atriais a desenvolver automaticidade anormal, ação autossustentável potenciais ou circuitos reentrantes. 14
A sepse é um estado inflamatório sistêmico e a FA pode se desenvolver por infiltração direta de células inflamatórias e dano oxidativo aos miócitos atriais. Os agentes vasoativos frequentemente utilizados na UTI, como a dopamina e a norepinefrina, podem levar ao aumento das descargas atriais ectópicas, desencadeando o aparecimento da FA. 14
Embora a FA induzida por doença crítica também siga o desenvolvimento de um substrato atrial suscetível combinado com um evento desencadeador, fatores específicos que contribuem para o substrato arritmogênico podem diferir da FA adquirida na comunidade.
A perda aguda da sístole atrial e a frequência ventricular rápida que caracterizam o início da FA levam à diminuição do débito cardíaco e ao comprometimento hemodinâmico, piorando o quadro clínico e o prognóstico do paciente.
Exames de imagem demonstram que pacientes com sepse apresentam dilatação biventricular com disfunção sistólica e diastólica, sem relação com a perfusão coronariana. Sugere-se que as citocinas circulantes e a produção local de fatores depressores cardíacos sejam as causas subjacentes dessa “cardiomiopatia séptica”. 15
A NOAF pode ser uma resposta cardíaca disfuncional à infecção com fortes implicações prognósticas conforme descrito no estudo AFSEMA 10 e pode representar uma disfunção orgânica subestimada definidora de sepse, principalmente em idosos.
Identificar, diagnosticar e tratar a sepse em idosos permanece um desafio devido às suas manifestações atípicas. As alterações fisiológicas do envelhecimento e as múltiplas comorbidades dificultam o diagnóstico e o tratamento precoce. 5
Os médicos devem estar cientes de que o NOAF na sepse não é apenas uma arritmia temporária, mas um marcador de mau prognóstico e deve ser tratado adequadamente. 15
Footnotes
Minieditorial referente ao artigo: Fibrilação Atrial e Sepse em Pacientes Idosos e sua Associação com Mortalidade Intra-hospitalar
Referências
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