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. 2024 Apr 4;48:e47. [Article in Portuguese] doi: 10.26633/RPSP.2024.47

Atenção primária à saúde: a maior aliada na resposta à epidemia da dengue no Brasil

Guilherme A Elidio 1, Janaína Sallas 1, Flávia Caselli Pacheco 1, Cesar de Oliveira 2, Dirce Bellezi Guilhem 1
PMCID: PMC10993801  PMID: 38576839

Ao Editor:

Em resposta ao cenário epidemiológico crítico de incidência de casos, hospitalizações e óbitos por dengue, o Ministério da Saúde do Brasil incorporou, ainda em dezembro de 2023, a vacina contra a dengue no Calendário Nacional de Vacinação. Inicialmente, a vacina foi incorporada para crianças e adolescentes de 10 a 14 anos (1), faixa etária que concentra o maior número de hospitalizações pela doença depois das pessoas idosas — para quem, no entanto, a vacina não foi liberada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nesse sentindo, o Brasil tornou-se o primeiro país do mundo a disponibilizar a vacina contra a dengue de forma gratuita no serviço público de saúde, juntamente com diversos métodos de controle vetorial.

A primeira campanha de vacinação contra a dengue no Brasil começou em fevereiro de 2024, com objetivo de vacinar 90% das pessoas entre 10 e 14 anos de idade em todas as unidades da Federação, abrangendo 37 regiões de saúde e 521 municípios. Ao todo, já foram distribuídas 757 mil doses da vacina. No campo dos métodos de controle vetorial, o país iniciou inúmeras campanhas utilizando abordagens eco-bio-sociais, como mapeamento de risco e utilização de tecnologias de compostos naturais, mosquitos dispersores de inseticida e transgênicos e dispositivos com inseticidas, entre outros (2).

Por outro lado, parece indiscutível que, para o sucesso da operacionalização das principais medidas de prevenção e controle da dengue, é necessária a participação priorizada da atenção primária à saúde (APS) — dado o fato de ser o Brasil um país com dimensões continentais, pluralidade geográfica, valores culturais multicêntricos e gestão político-administrativa autônoma. Nesse sentindo, a APS é o ator com maior alcance — em virtude de seu alto grau de capilarização em todo o território nacional, que permite estabelecer vínculo com a população de referência, beneficiando a longitudinalidade do cuidado ofertado e ampliando a capacidade resolutiva.

Segundo dados do Ministério da Saúde, em termos gerais, as unidades básicas de saúde (UBS) representam o maior número de estabelecimentos de saúde com oferta de serviços que têm as mesmas características. São 41 220 unidades distribuídas em todo o país, o que corresponde a 39,6% do total de estabelecimentos registrados (3). Os mesmos dados mostram a existência de 38 mil salas de vacinas em UBS no país (3) e registram 291 628 agentes comunitários de saúde em atividade nas UBS além dos demais profissionais que compõem as equipes de estratégia saúde da família e a equipe de saúde bucal (3).

Além da magnitude de recursos humanos e de instalações físicas da APS, merecem destaque as bases sólidas de sua criação dentro das políticas públicas de saúde, garantindo sua invariabilidade e indissolubilidade em um país com tantas especificidades como o Brasil. Segundo a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), a APS deve ser a principal porta de entrada e o centro de comunicação do serviço de saúde público do país, coordenadora do cuidado e ordenadora das ações e serviços disponibilizados na rede (4).

Em cenários epidêmicos de arboviroses, como é o atual cenário da dengue no Brasil, a APS ordena todo o fluxo de resposta à epidemia a partir de um conjunto de atributos: integralidade do cuidado, abrangendo aspectos biológicos, psicológicos, ambientais e sociais; longitudinalidade do cuidado; coordenação do cuidado; orientação familiar; orientação comunitária; e resguardo de competências culturais (5).

De acordo com o informe publicado pelo Centro de Operações de Emergências (COE) Dengue do Ministério da Saúde, entre as semanas epidemiológicas 1 e 5 de 2024, dos 408 351 casos prováveis registrados, apenas 4 587 (1,1%) eram graves (6). Ou seja, em 98% dos casos de dengue, provavelmente o primeiro atendimento se deu em uma UBS, que é responsável pelo manejo de casos do grupo A (dengue sem sinais de alarme, sem condição especial, sem risco social e sem comorbidades), B (dengue sem sinais de alarme, com condição especial ou com risco social e com comorbidades) e primeiros atendimentos dos grupo C (sinais de alarme presentes e sinais de gravidade ausentes) e D (dengue grave). Também é na UBS que são realizadas as ações de conscientização para a população, a vacinação e a interlocução com os demais atores da rede de atenção à saúde. Por fim, os profissionais assistenciais também são responsáveis por realizar ações de vigilância epidemiológica para fomentar informações e desempenhar ações de controle.

Portanto, a APS é uma forte e indispensável aliada, com potencial ímpar para executar oportunamente e de forma eficaz as principais medidas de prevenção e controle no combate à epidemia da dengue no Brasil. No entanto, deve haver, por parte das autoridades públicas, um equilíbrio entre o reconhecimento da competência da APS e o apoio necessário à execução de tamanha competência, uma vez que esse setor, sem o aparato e empreendimento necessários, pode colapsar em razão da sobrecarga de trabalho.

A APS, desde que embasada em equipes de saúde multidisciplinares completas, recursos materiais para desempenho das atividades, insumos para manejo clínico dos pacientes não agravados, imunobiológicos e insumos suficientes para vacinação e, principalmente, profissionais de apoio para atuar na vigilância epidemiológica das UBS, é a melhor aliada do Brasil na resposta à dengue.

Declaração.

As opiniões expressas no manuscrito são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem necessariamente a opinião ou política da RPSP/PAJPH ou da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

Footnotes

Conflitos de interesse.

Nada declarado pelos autores.

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