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editorial
. 2024 Aug 2;121(7):e20240311. [Article in Portuguese] doi: 10.36660/abc.20240311
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O Custo do Atraso: Disparidades Socioeconômicas e Falhas Diagnósticas no Tratamento de Infarto do Miocárdio com Oclusão

José Nunes de Alencar 1, Jesse T T McLaren 2
PMCID: PMC11341212  PMID: 39166569

O infarto agudo do miocárdio com oclusão coronariana aguda representa a faceta mais grave e urgente das síndromes coronarianas agudas. Estudos seminais nos ensinaram que o restabelecimento do fluxo coronariano em pacientes com artérias ocluídas, seja por trombólise ou angioplastia primária, pode alterar a história natural da doença e reduzir significativamente a mortalidade associada a esta síndrome.1,2

Os autores de “O Impacto Clínico e Econômico do Atraso na Terapia de Reperfusão: Evidências do Mundo Real” fornecem dados convincentes de uma próspera região metropolitana no Brasil, concluindo que cada hora adicional de atraso na terapia de reperfusão foi associada a um aumento de 6,2% (intervalo de confiança de 95%: 0,3% a 11,8%, p = 0,032) no risco de mortalidade hospitalar.3 Além disso, os custos gerais foram 45% maiores entre os pacientes tratados após 9 horas em comparação com aqueles tratados nas primeiras 3 horas, principalmente devido aos custos hospitalares (p = 0,005). Gioppatto et al.3 também observaram, a partir de outros estudos, os impactos financeiros em pacientes e familiares devido à reperfusão atrasada e indicam a necessidade de redes de infarto do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST) para abordar a distribuição desigual de centros com capacidade para intervenção coronária percutânea (ICP).

No entanto, gostaríamos de acrescentar duas questões a essa equação e, em um exercício de imaginação, extrapolar dois grupos de pacientes que provavelmente apresentariam resultados ainda piores do que aqueles descritos nesse artigo intrigante.

Em primeiro lugar, o nível socioeconômico mais baixo, definido como baixa renda e escolaridade inferior ao ensino secundário, é um fator determinante nas desigualdades no atendimento, conduzindo a desfechos desfavoráveis de saúde e a expectativa de vida reduzida. Estudos realizados na Suécia, Finlândia, Canadá e Estados Unidos demonstraram que o prognóstico de pacientes de grupos de nível socioeconômico mais baixo é pior após infarto agudo do miocárdio, devido a desigualdades no atendimento.4 Um estudo revelou que pacientes com infarto do miocárdio no grupo com renda familiar mediana mais baixa nos Estados Unidos tinham menos probabilidade de serem submetidos à angiografia coronária e à ICP.5 Em outras palavras, existe um acesso desigual ao atendimento, mesmo dentro dos centros de ICP, o que agrava a distribuição desigual de centros com capacidade para ICP. Como resultado, as lacunas socioeconômicas colocam os pacientes em risco de reperfusão atrasada, o que cria impactos financeiros adicionais sobre aqueles com renda menor. É importante considerar o fato de que existem disparidades econômicas mais graves no Brasil do que nos demais países mencionados neste parágrafo.

Existe um segundo grupo de pacientes que recebem reperfusão atrasada mesmo em centros com capacidade para ICP, com atraso adicional baseado na variação geográfica, ou seja, aqueles que são falsos negativos dentro do atual paradigma diagnóstico de “infarto do miocárdio com e sem supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST/IAMSSST). No atual paradigma diagnóstico de infarto do miocárdio, mais da metade dos pacientes com oclusão coronariana aguda (que, portanto, justificam a reperfusão imediata da artéria ocluída dentro dos tempos porta-balão ou porta-agulha)6 não apresentam supradesnivelamento do segmento ST e são diagnosticados com IAMSSST.7 Em outras palavras, esses pacientes apresentam infarto do miocárdio com oclusão, ou “oclusão coronariana aguda” (OCA), mas são falsos negativos para IAMCSST ou IAMCSST(-)OCA. Sob o paradigma atual, esses pacientes, infelizmente, recebem reperfusão atrasada em centros com capacidade para ICP, frequentemente muito além das 9 horas discutidas nesse artigo. Não apenas essas oclusões são perdidas na chegada, mas esses falsos negativos não são reconhecidos, mesmo em retrospectiva, porque o diagnóstico de alta permanece “IAMSSST”.8 Como resultado, esses pacientes de alto risco com IAMCSST(-)OCA não são incluídos em bases de dados de STEMI e não são considerados um alvo para melhoria da qualidade.

Vale notar que Gioppatto et al.3 não incluíram esses pacientes em seu estudo, justamente porque os autores optaram por selecionar apenas pacientes com resultados de testes positivos (positivos para IAMSSST) e não aqueles com doença real (OCA). Estudos demonstraram que os desfechos desses pacientes continuam a ser piores do que aqueles que têm a sorte de serem verdadeiramente positivos. Em uma metanálise de 2018 com mais de 60.000 pacientes com IAMSSST, 34% tinham uma artéria culpada ocluída com menor fração de ejeção, maior risco de choque cardiogênico, infarto do miocárdio recorrente e morte.9 Herman et al.10 compararam IAMSSST-OCA com IAMCSST-OCA e verificaram uma taxa de risco de 1,84 para mortalidade em 1 ano e 2,59 para mortalidade em 5 anos, com uma diferença absoluta de mortalidade de 15%. O tempo médio para intervenção foi de 1,4 horas no grupo com IAMCSST e 16,3 horas no grupo com IAMSSST-OCA.10

O estudo de Gioppatto et al.3 é um marco significativo na cardiologia brasileira ao destacar fortemente a necessidade urgente de realizar reperfusão o mais rápido possível para evitar desfechos desfavoráveis a nível individual e coletivo. Acrescentamos que a comunidade de cardiologia brasileira também deveria se focar em dois grupos frequentemente negligenciados com OCA, aos quais é negado tratamento oportuno e apropriado: aqueles com nível socioeconômico mais baixo, que recebem reperfusão atrasada, mesmo quando positivos para IAMCSST, e todos aqueles que são falsos negativos para IAMCSST, mas que apresentam achados clínicos, eletrocardiográficos e ecocardiográficos de OCA.

Referências

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Arq Bras Cardiol. 2024 Aug 2;121(7):e20240311. [Article in English] doi: 10.36660/abc.20240311i

The Price of Delay: Socioeconomic Disparities and Diagnostic Oversights in Occlusion Myocardial Infarction Care

José Nunes de Alencar 1, Jesse T T McLaren 2

Acute myocardial infarction with acute coronary occlusion represents the most severe and urgent facet of acute coronary syndromes. Seminal studies have taught us that reestablishing coronary flow in patients with occluded arteries, whether through thrombolysis or primary angioplasty, can alter the natural history of the disease and significantly reduce mortality associated with this syndrome.1,2

The authors of “The Clinical and Economic Impact of Delayed Reperfusion Therapy: Real-World Evidence” provide compelling data from a wealthy metropolitan region in Brazil, concluding that each additional hour of delay in reperfusion therapy was associated with a 6.2% increase (95% confidence interval: 0.3% to 11.8%, p = 0.032) in the risk of in-hospital mortality.3 In addition, overall costs were 45% higher among individuals treated after 9 hours compared to those treated within the first 3 hours, which was mainly due to in-hospital costs (p = 0.005). Gioppatto et al.3 also note, from other studies, the financial impacts on patients and families due to delayed reperfusion, and they call for ST elevation myocardial infarction (STEMI) networks to address the uneven distribution of percutaneous coronary intervention (PCI)-capable centers.

However, we would like to add two issues to this equation and, in an exercise of imagination, extrapolate two groups of patients who would likely experience even worse outcomes than those described in this intriguing article.

Firstly, lower socioeconomic status, defined as low income and less than high school education, is a key determinant of inequalities in care, leading to poor health outcomes and reduced life expectancy. Studies conducted in Sweden, Finland, Canada, and the United States have shown that the prognosis of patients from lower socioeconomic status groups is worse following acute myocardial infarction as a result of inequalities in care.4 One study revealed that patients with myocardial infarction in the lowest median household income group in the United States were less likely to undergo coronary angiography and PCI.5 In other words, there is uneven access to care even within PCI centers, which exacerbates the uneven distribution of PCI-capable centers. As a result, socioeconomic gaps put patients at risk of delayed reperfusion, which creates further financial impacts on those with the least income. It is important to consider the fact that there are more severe economic disparities in Brazil than in the other countries mentioned in this paragraph.

There is a second group of patients who experience delayed reperfusion even within PCI-capable centers, with further delay based on geographic variation, namely, those who are false negatives within the current diagnostic paradigm of “myocardial infarction with and without ST-segment elevation (STEMI/NSTEMI).” In the current paradigm for diagnosing myocardial infarction, more than half of the patients with acute coronary occlusion (who therefore warrant immediate reperfusion of their occluded artery within door-to-balloon or door-to-needle times)6 do not exhibit ST-segment elevation and are diagnosed with NSTEMI.7 In other words, these patients have occlusion myocardial infarction (OMI), but are false negative STEMI, or STEMI(-)OMI. Under the current paradigm, these unfortunate patients experience delayed reperfusion at PCI-capable centers, often far beyond the 9 hours discussed in this article. Not only are these occlusions missed on arrival, but these false negatives are not recognized, even in hindsight, because their discharge diagnosis remains “NSTEMI.”8 As a result, these high-risk patients with STEMI(-)OMI are not included in STEMI databases and not considered a target for quality improvement.

Notably, Gioppatto et al.3 did not include these patients in their study, precisely because the authors chose to select only patients with positive test results (STEMI positive) rather than those with actual disease (acute coronary occlusion). Studies have shown that the outcomes of these patients continue to be worse than those who are fortunate enough to be true positive. In a 2018 meta-analysis of more than 60,000 patients with NSTEMI, 34% had an occluded culprit artery with lower ejection fraction, higher risk of cardiogenic shock, recurring myocardial infarction, and death.9 Herman et al.10 compared NSTEMI-OMI to STEMI-OMI and found a hazard ratio of 1.84 for 1-year mortality and 2.59 for 5-year mortality, with an absolute mortality difference of 15%. The mean time to intervention was 1.4 hours in the STEMI group and 16.3 hours in the NSTEMI-OMI group.10

Gioppatto et al.3 study marks a significant milestone in Brazilian cardiology by strongly highlighting the urgent need to reperfuse patients as soon as possible to avoid poor individual and collective outcomes. We add that the Brazilian cardiology community should also focus on two often overlooked groups with OMI who are denied timely and appropriate treatment: those with lower socioeconomic status who experience delayed reperfusion even when STEMI positive, and all those who are falsely STEMI negative but who have clinical, ECG, and echocardiographic findings of OMI.


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