Na nona edição do Consenso do American College of Chest Physicians (ACCP) de 2012, a cirurgia bariátrica foi definida como sendo de alto risco para o desenvolvimento de tromboembolismo venoso (TEV), juntamente com a cirurgia para o câncer ginecológico, pneumectomia, craniotomia, trauma encefálico, de medula espinal, ou outros traumas maiores1. Nessa categoria, a incidência de trombose venosa profunda (TVP) sem profilaxia pode variar de 40-80% distais nas pernas, 10-20% proximais, com 0,2-5,0% de incidência de embolia pulmonar (EP) fatal2. Dados de cirurgia bariátricas corroboram esses achados, com frequências de 0,2-2,4% de TVP e 1-2% de EP3 - 6, sendo esta última responsável por 30-50% da mortalidade operatória7 - 10. Sendo assim, a profilaxia é mandatória para prevenção do TEV.
Em metanálise de Becattini et al.11, os esquemas mais usados para pacientes bariátricos foram:
Heparina não fracionada (HNF) – na dose de 5.000 unidades internacionais (UI) subcutânea (SC) 3x ao dia por 15 dias.
Heparina de baixo peso molecular (HBPM) – enoxaparina na dose de 30 mg SC/2x ao dia ou 40 mg/2x ao dia por 15 dias.
O uso de doses ajustadas por Anti-Xa provocou aumento da frequência de sangramentos sem reduzir a de TEV11. De qualquer forma, a profilaxia farmacológica deve ser sempre individualizada, considerando o risco de sangramento de cada caso (úlcera péptica ativa, hipertensão arterial sistêmica não controlada, coagulopatia, plaquetopenia, insuficiência renal, etc.)12.
A enoxaparina pode ser usada na dose de 60 mg/2x ao dia por 14 dias12. Em comparação com a dose de 40 mg/2x ao dia por 14 dias, um estudo observou que o risco de sangramento foi similar nos dois grupos. Nesse estudo, não foi avaliada a frequência de TEV no pós-operatório.
Em junção de dados feita por Stroh et al.13 na Alemanha, com 31.668 cirurgias (13.772 by-passes Y de Roux, 11.840 gastrectomias em luva e 3.999 bandagens gástricas), a TVP ocorreu em 0,07% dos casos e EP em 0,10%, tendo sido preferencial o uso de HBPM. Esses dados foram corroborados por um levantamento realizado por outros autores14. Nesse levantamento, cerca de 94,4% das cirurgias foram abertas em Y de Roux e 5,6% por via laparoscópica.
Alguns autores preferem associar HNF com o uso de profilaxia mecânica, como deambulação precoce, compressão pneumática intermitente (CPI) e meia elástica de compressão graduada (MECG)12 , 15.
Em estudo randomizado comparando o fondaparinux (5 mg/dia) com a enoxaparina (40 mg/2x ao dia)16, os resultados de complicações (TEV) no pós-operatório foram similares nos dois grupos com índice de massa corporal (IMC) > 40 kg/m2. O fondaparinux, no entanto, teve melhor ajuste aos níveis de anti-Xa. Sendo assim, aparentemente a enoxaparina da dose de 40 mg/2x ao dia ou o fondaparinux (5mg/dia) pareceram ser recomendáveis nos pacientes com IMC > 40 kg/m2. Nos pacientes com IMC de 30-40 kg/m2 e > 60 kg/m2, ainda não há clara definição de dose16.
Em revisão recente da literatura feita por Vandiver et al.17, ficou clara a falta de evidências científicas quanto ao tipo e regime de doses específicos para pacientes bariátricos. As doses de 40 mg/2x dia de enoxaparina seriam efetivas e seguras para pacientes com IMC > 40 kg/m2 18 - 20. De acordo com a revisão citada acima17, o esquema de dosagem de 0,5 mg/kg de enoxaparina teria alguns inconvenientes, pois foi bem menos validado e seria mais propenso a erros de dosagem, visto que a enoxaparina vem acondicionada em seringas prontas com doses fixas, sendo difícil seu fracionamento. Nessa revisão, a dosagem indicada de HNF foi de 7.500 UI via SC (2 ou 3x ao dia), com base em estudo retrospectivo com grande número de pacientes20. Ainda nessa revisão, a dose recomendada de fondaparinux foi a de 2,5 mg SC ao dia; mas, no estudo de Steele et al.16, a dose recomendada foi de 5 mg SC ao dia.
A profilaxia deve ser iniciada já no primeiro dia de internação, ou seja, tão logo haja risco para o desenvolvimento de TEV (ver fatores de risco). A maioria dos autores tem feito a profilaxia farmacológica somente depois da cirurgia12 , 15 , 16; porém, diante de imobilidade ou outros fatores de risco associados, esquemas de profilaxia mecânica foram indicados (CPI ou MECG).
A maior parte dos autores recomenda extensão da profilaxia por 2 semanas após a alta17.
Além da obesidade e da própria cirurgia bariátrica, vários fatores de risco podem estar associados e devem ser considerados com relação ao esquema de dose e de profilaxia mecânica adicional21:
História prévia de tromboembolismo
Trombofilia conhecida
Imobilidade
Idade > 40 anos
Insuficiência cardíaca congestiva
Doença pulmonar obstrutiva crônica
Uso de estrógenos
Insuficiência venosa crônica
Fraturas
Infecção grave
Doenças inflamatórias
Varizes
Câncer
Quimioterapia
Em vigência de profilaxia farmacológica, a anestesia raquimedular deve ser feita somente 12 horas após a última dose de enoxaparina e reiniciada somente 12 horas após a cirurgia21. No caso de cateter epidural, este não deve ser removido ou implantado dentro de 12 horas da última dose de HBPM e 36 horas após uso de fondaparinux, e a dose de profilaxia deve ser postergada para 2 horas após o implante ou remoção do cateter.
Ainda faltam estudos de escalonamento de doses e comparativos entre os agentes profiláticos para melhor definição do esquema profilático ideal para pacientes bariátricos.
Footnotes
Fonte de financiamento: Nenhuma.
O estudo foi realizado no Departamento de Cirurgia e Ortopedia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu, SP, Brasil.
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