Introdução
A apneia obstrutiva do sono (AOS) é uma condição clínica comum, caracterizada por obstruções recorrentes das vias aéreas superiores durante o sono, promovendo hipóxia intermitente e fragmentação do sono.1 Fatores de risco tradicionais incluem sexo masculino e obesidade. De maneira geral, pacientes com AOS grave apresentam eventos respiratórios mais longos e hipoxemia mais acentuada. A posição supina está consistentemente associada a índices mais graves de AOS em adultos.2 No entanto, a relação entre índices de AOS e posição prona é inconsistente.2 Aqui, relatamos uma apresentação muito peculiar da AOS caracterizada por eventos respiratórios muito longos em posição prona em uma paciente do sexo feminino, eutrófica, com histórico de hipertensão arterial, diabetes mellitus, doença renal crônica sob terapia dialítica e diagnóstico recente de doença arterial coronariana (DAC).
Relato de Caso
Uma mulher de 63 anos foi internada eletivamente para realizar um procedimento de intervenção coronária percutânea (ICP). Embora ela não se queixasse de sonolência diurna (Epworth Sleepiness Scale: 9), seus parentes a descreveram como muito sonolenta, apresentava roncos altos e pausas noturnas na respiração durante o sono. À inspeção, não havia importantes sinais de alterações crânio-faciais que predispusessem à AOS. O índice de massa corpórea (IMC) estava dentro da normalidade (25 kg/m2), mas a pressão arterial (PA) não estava controlada (152/84 mmHg). Curiosamente, uma recente monitorização ambulatorial da PA (MAPA) mostrou um padrão reverso da queda da PA noturna (PA durante o sono igual ou superior à vigília) (Figura 1). Ela estava em uso regular de aspirina, carvedilol, anlodipino e atorvastatina. Os medicamentos para PA foram ajustados pela equipe médica. A paciente foi submetida a uma ICP bem-sucedida na artéria descendente anterior esquerda usando um stent convencional. Após o procedimento, ela foi submetida a uma avaliação do sono usando um monitor portátil (Embletta Gold®). A paciente apresentava um índice de apneia-hipopneia de 26,7 eventos/hora com a menor saturação periférica de oxigênio (SpO2) registrada de 28% e tempo total com SpO2 <90% de 33%. Além disso, apresentou apneias muito longas (19 episódios com duração >1 minuto e o evento mais longo com incríveis 3,21 minutos de duração) (Figura 2). Nota-se que a paciente permaneceu 76% do tempo na posição prona (sua posição preferida para dormir). A paciente optou por não procurar nossa clínica ambulatorial do sono, apesar de recomendarmos ativamente o tratamento para a AOS. Após 11 meses da ICP, a paciente sofreu um infarto agudo do miocárdio. Aproximadamente 2 anos após o procedimento de ICP, ela sofreu um episódio de acidente vascular cerebral e quatro meses depois um novo infarto fatal do miocárdio durante um cochilo à tarde (por volta das 15h), apesar de tratamento medicamentoso para a DAC.
Discussão
Este caso chamou nossa atenção devido à apresentação incomum de AOS em paciente de alto risco cardiovascular: o IMC dentro dos valores de normalidade e os eventos respiratórios muito longos predominantemente na posição prona. Em um estudo anterior, foram relatadas apneias obstrutivas com duração de até 3,89 minutos em um paciente com disfunção autonômica, provavelmente refletindo a falta de controle autonômico protetor na interrupção dos eventos apneicos.3 Nossa paciente não apresentava evidência de doença autonômica, apesar da história de diabetes. De fato, não foram observados períodos de hipotensão na MAPA. Em contraste, observamos um padrão noturno reverso da PA na MAPA. Demonstrou-se que o padrão de descenso reverso da PA sistólica. está associada a um aumento de 4 vezes na probabilidade de AOS, independentemente da presença de queixas de sono ou questionários positivos de sono.4
Um achado interessante é a ocorrência incomum de eventos obstrutivos na posição prona. É amplamente aceito que a posição supina predispõe a obstruções das vias aéreas superiores durante o sono.5 Estudos preliminares relataram a posição prona como terapia adjuvante para AOS.6,7 Por outro lado, este relato de caso destaca que a posição prona pode não ser um espectador inocente, como observado em bebês.8 Embora nenhuma relação causa-efeito possa ser comprovada, é concebível que a posição prona combinada com um alto limiar de excitação possa contribuir para eventos muito longos observados durante o sono nesta paciente.
Por fim, vale ressaltar que os pacientes com AOS e DAC pré-estabelecidas não tiveram benefícios da pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) na prevenção de doenças cardiovasculares, segundo o estudo SAVE.9 A carga acentuada de hipóxia (como observado neste caso) não foi incluída no perfil usual do estudo SAVE, impedindo qualquer conclusão definitiva sobre os benefícios do tratamento da AOS entre pacientes com AOS e importante hipoxemia. A falta de tratamento específico para a AOS neste caso pode ter contribuído para os resultados cardiovasculares observados.
Conclusão
Este é um caso incomum de apneias muito longas durante a posição prona em uma paciente com o IMC dentro da normalidade e DAC. Conforme sugerido em um estudo observacional multicêntrico, o seguimento desfavorável sugere que a AOS não é um espectador inocente na DAC, principalmente na presença de diabetes.10,11 Portanto, os resultados neutros do estudo SAVE não devem impedir o tratamento visando potenciais benefícios cardiovasculares em pacientes de alto risco com hipoxemia grave.
Footnotes
Fontes de Financiamento
O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Vinculação Acadêmica
Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
Aprovação Ética e Consentimento Informado
A paciente participou de um estudo prévio que avaliou o potencial impacto da apneia do sono após intervenção coronariana percutânea. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital das Clinicas da Universidade de São Paulo sob o número de protocolo 3931/13/056). Todos os procedimentos envolvidos nesse estudo estão de acordo com a Declaração de Helsinki de 1975, atualizada em 2013. O consentimento informado foi obtido para esta paciente.
Referências
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