Skip to main content
Arquivos Brasileiros de Cardiologia logoLink to Arquivos Brasileiros de Cardiologia
editorial
. 2022 Jul 29;119(2):280–281. [Article in Portuguese] doi: 10.36660/abc.20220442
View full-text in English

Revisões Sistemáticas e Metanálises: Faróis na Tempestade de Informação da COVID-19

Henrique Turin Moreira 1,, André Schmidt 1
PMCID: PMC9363051  PMID: 35946689

Com o reconhecimento da pandemia de COVID-19 como uma emergência de saúde pública, a comunidade científica internacional mobilizou-se na busca pelo conhecimento sobre a infecção pelo novo coronavírus denominado SARS-CoV-2. A necessidade de acelerar as pesquisas voltadas à redução da mortalidade e contenção do escalonamento da crise foi logo proclamada pela Organização Mundial da Saúde.1 Como resultado, observamos hoje uma extraordinária quantidade de dados sobre COVID-19, obtidos em um tempo muitíssimo curto. Uma busca pela base de dados Pubmed prontamente nos revela mais de 164.000 artigos científicos já publicados sobre a doença em menos de dois anos e meio, fenômeno sem precedentes na literatura médica. Colocando-se em perspectiva, essa profusão de publicações mostra-se numericamente maior do que aquelas identificadas pelo termo myocardial infarction nas últimas quatro décadas.

Embora esse formidável avanço científico tenha sido fundamental para o enfrentamento da pandemia, por outro lado, resultou em uma tempestade de informações com efeitos adversos bastante significativos. Profissionais da saúde enfrentaram dificuldades em buscar, interpretar e sobretudo sintetizar esse vertiginoso volume de evidências. Resultados conflitantes, muito comuns nos caminhos sinuosos da ciência, tornaram-se fontes frequentes de confusão e desentendimento.2 Em cenários turbulentos como esses, revisões sistemáticas e metanálises podem atuar como um farol, norteando rotas mais seguras a serem percorridas. Oferecem avaliação organizada e integrada de múltiplas fontes de dados, permitindo assim estimativas mais robustas e respostas mais confiáveis para os dilemas da prática clínica.

Nesse sentido, Barberato et al.,3 apresentam nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia uma revisão sistemática e metanálise sobre achados ecocardiográficos anormais em pacientes internados com COVID-19.3 A partir de 6.427 publicações inicialmente levantadas (já excluindo as duplicadas), os autores identificaram 38 artigos originais que preenchiam os critérios de seleção, todos publicados até junho de 2021. Como destaque, a disfunção sistólica do ventrículo esquerdo (VE) foi encontrada em um quarto dos casos pela ecocardiografia convencional, sendo identificada em até um terço dos pacientes pelo método de speckle tracking. Já a disfunção do ventrículo direito (VD) mostrou-se menos prevalente, presente em 17% dos indivíduos, enquanto hipertensão pulmonar e derrame pericárdico foram descritos em 23% e 17% dos casos respectivamente.

O acometimento cardíaco em pacientes com COVID-19 tem sido motivo de grande preocupação desde o início da pandemia.4,5 Evidências recentes mostram que a injúria miocárdica pela ação direta do vírus tem menor relevância do que as lesões indiretas pela inflamação sistêmica e hipercoagulobilidade nesses pacientes.6,7 A despeito da melhor compreensão desses mecanismos patogênicos, a prevalência do envolvimento miocárdico na COVID-19 permanece em debate. Por um lado, o diagnóstico de injúria miocárdica baseado exclusivamente na elevação de biomarcadores séricos, como a troponina, pode superestimar o número de casos.8,9 Métodos complementares como a ressonância magnética cardíaca e a biópsia endomiocárdicas, por outro lado, nem sempre estão disponíveis para confirmar o dano cardíaco.

Embora a revisão sistemática e metanálise de Barberato et al.,3 certamente contribua para a caracterização fenotípica das anormalidades cardíacas dos pacientes internados com COVID-19, os resultados apresentados levantam questões adicionais. O envolvimento cardíaco encontrado corresponderia a alterações pré-existentes ou seria decorrente da infecção pelo SARS-CoV-2? Para responder a essa pergunta, os autores reportam uma associação direta entre as anormalidades ecocardiográficas prévias e maiores proporções de disfunção sistólica do VE. Contudo, é importante ressaltar que apenas 8 dos 38 estudos (somente 9% de todos os pacientes agrupados) reportaram resultados de ecocardiogramas anteriores.

Adicionalmente, os resultados demonstrados são bastante relevantes também por outros aspectos. A heterogeneidade entre os estudos foi excessivamente elevada, aparentemente não explicada pela prevalência de doenças cardiovasculares pré-existentes ou pela proporção de pacientes em ventilação mecânica. Outros fatores poderiam explicar essa alarmante heterogeneidade, com destaque para pequenas amostras populacionais, diferenças entre os protocolos ecocardiográficos utilizados e singularidades demográficas e clínicas entre as populações de cada estudo.10 Além disso, a análise gráfica sugere fortemente a presença de viés de publicação de estudos documentando a disfunção sistólica do VD, com uma tendência de as investigações de menor tamanho amostral relatarem uma maior proporção desse achado.

Finalmente, hoje nos deparamos com um cenário significativamente diferente daquele avaliado pelos estudos até meados do ano passado. Expansão da cobertura vacinal, aparecimentos de variantes virais, reconhecimento de sintomas prolongados e do risco cardiovascular aumentado após o quadro agudo de COVID-19.1113 Novas indagações emergem nesse contexto, especialmente sobre a prevalência de injúria cardíaca em quadros mais brandos, além do papel do envolvimento cardíaco nos casos de COVID-19 com sintomas prolongados e do valor prognóstico das lesões miocárdicas associadas à infecção.14

Nesses tempos de tormenta de informações, o estudo de Barberato et al.3 cumpre sua função de nos guiar em direção a conclusões mais confiáveis. Ademais, realça os contratempos e as armadilhas desse caminho apressado que a ciência percorre atualmente. Adiante, temos agora o desafio de compreender o fenótipo do envolvimento cardíaco em um novo cenário clínico e epidemiológico que já se anuncia.

Footnotes

Minieditorial referente ao artigo: Achados Ecocardiográficos Anormais em Pacientes Internados com COVID-19: Uma Revisão Sistemática e Metanálise

Referências

  • 1.World Health Organization.(WHO). COVID-19 Public Health Emergency of International Concern (PHEIC): global research and innovation forum. Geneva;2020.p.1-7.
  • 2.D’Avila A, Melo MFV, Lopes RD. Pandemonium During the Pandemic: What is the Role of Health and Science Professionals? Arq Bras Cardiol. 2020;114(5):753-4. doi: 10.36660/abc.20200320. [DOI] [PMC free article] [PubMed]
  • 3.Barberato SH, Bruneto EG, Reis GS, Oliveira PRF, Possamai AF, Silvestre OM, et al. Achados ecocardiográficos anormais em pacientes internados com Covid-19: uma revisão sistemática e metanálise. Arq Bras Cardiol. 2022; 119(2):267-279. [DOI] [PMC free article] [PubMed]
  • 4.Costa I, Bittar CS, Rizk SI, Araujo Filho AE, Santos KAQ, Machado TIV, et al. The Heart and COVID-19: What Cardiologists Need to Know. Arq Bras Cardiol. 2020;114(5):805-16. doi: 10.36660/abc.20200279. [DOI] [PMC free article] [PubMed]
  • 5.Moreira HT, Volpe GJ, Rezek UC, Mendonca PC, Teixeira GCA, Santos BMD, et al. Telemedicine in Cardiology for Outpatient Follow-Up of Patients at High Cardiovascular Risk in Response to the COVID-19 Pandemic. Arq Bras Cardiol. 2021;116(1):153-7. doi: 10.36660/abc.20200715. [DOI] [PMC free article] [PubMed]
  • 6.Vigário LC, Muradas G, Paiva CN, Medei E. The Role of the Immune System on the Cardiac Complications Observed in SARS-CoV-2. Int J Cardiovasc Sci. 2022;35(3):410-8. doi: 10.36660/ijcs.20200266
  • 7.Nascimento JHP, Gomes BFO, Carmo Junior PRD, Petriz JLF, Rizk SI, Costa I, et al. COVID-19 and Hypercoagulable State: A New Therapeutic Perspective. Arq Bras Cardiol. 2020;114(5):829-33. doi: 10.36660/abc.20200308. [DOI] [PMC free article] [PubMed]
  • 8.Nascimento JHP, Costa RLD, Simvoulidis LFN, Pinho JC, Pereira RS, Porto AD, et al. COVID-19 and Myocardial Injury in a Brazilian ICU: High Incidence and Higher Risk of In-Hospital Mortality. Arq Bras Cardiol. 2021;116(2):275-82. doi: 10.36660/abc.20200671. [DOI] [PMC free article] [PubMed]
  • 9.Siripanthong B, Asatryan B, Hanff TC, Chatha SR, Khanji MY, Ricci F, et al. The Pathogenesis and Long-Term Consequences of COVID-19 Cardiac Injury. JACC Basic Transl Sci. 2022;7(3):294-308. doi: 10.1016/j.jacbts.2021.10.011. [DOI] [PMC free article] [PubMed]
  • 10.Detterbeck FC, Kumbasar U. Systematic Flaws in the Use of Systematic Reviews and Meta-analyses. Chest. 2022;161(5):1150-2. doi: 10.1016/j.chest.2022.01.020. [DOI] [PubMed]
  • 11.Koelle K, Martin MA, Antia R, Lopman B, Dean NE. The changing epidemiology of SARS-CoV-2. Science. 2022;375(6585):1116-21. doi: 10.1126/science.abm4915. [DOI] [PMC free article] [PubMed]
  • 12.Writing C, Gluckman TJ, Bhave NM, Allen LA, Chung EH, Spatz ES, et al. 2022 ACC Expert Consensus Decision Pathway on Cardiovascular Sequelae of COVID-19 in Adults: Myocarditis and Other Myocardial Involvement, Post-Acute Sequelae of SARS-CoV-2 Infection, and Return to Play: A Report of the American College of Cardiology Solution Set Oversight Committee. J Am Coll Cardiol. 2022;79(17):1717-56. doi: 10.1016/j.jacc.2022.02.003 [DOI] [PMC free article] [PubMed]
  • 13.Xie Y, Xu E, Bowe B, Al-Aly Z. Long-term cardiovascular outcomes of COVID-19. Nat Med. 2022;28(3):583-90. doi: 10.1038/s41591-022-01689-3 [DOI] [PMC free article] [PubMed]
  • 14.Lima JAC, Bluemke DA. Myocardial Scar in COVID-19: Innocent Marker versus Harbinger of Clinical Disease. Radiology. 2021;301(3):E434-E5. doi: 10.1148/radiol.2021211710. [DOI] [PMC free article] [PubMed]
Arq Bras Cardiol. 2022 Jul 29;119(2):280–281. [Article in English]

Systematic Reviews and Meta-Analyses: Lighthouses in the Data Storm from the COVID-19 Pandemic

Henrique Turin Moreira 1,, André Schmidt 1

Since recognizing the COVID-19 pandemic as a public health emergency, the global scientific community has driven efforts to understand the infection by the new coronavirus SARS-CoV-2. The World Health Organization soon proclaimed the need to fast-track research to reduce mortality and avoid crisis escalation.1 As a result, we now observe an extraordinary amount of data on COVID-19 obtained in a short time. Indeed, a search in the Pubmed database promptly reveals more than 164,000 papers on the disease in less than two and a half years, an unprecedented phenomenon in the medical literature. Putting this into perspective, this profusion of publications is numerically greater than papers identified by the term “myocardial infarction” in the last four decades.

Although this outstanding scientific advance has been crucial to fighting the pandemic, at the same time, it went along with a data storm with marked adverse effects. Health professionals had challenges searching, interpreting, and summarizing this dizzying volume of evidence. Conflicting results, typical of the twisted paths of science, were frequent causes of confusion and disagreement.2 In this setting, systematic reviews and meta-analyses can serve as lighthouses, guiding us to safer routes. They offer organized and integrated assessment of multiple data sources, thus allowing more robust estimates and reliable answers to clinical practice dilemmas.

For this purpose, Barberato et al.3 present in this edition of Arquivos Brasileiros de Cardiologia a systematic review and meta-analysis on abnormal echocardiographic findings in hospitalized patients with COVID-19.3 From 6,427 publications initially selected (already excluding duplicates), the authors identified 38 original articles that met the selection criteria, all published until June 2021. Noteworthy, left ventricular (LV) systolic dysfunction was found in a quarter of cases by conventional echocardiography and in up to a third of patients by the speckle tracking method. On the other hand, right ventricular (RV) dysfunction was less prevalent, present in 17% of individuals, while pulmonary hypertension and pericardial effusion were described in 23% and 17% of cases, respectively.

Cardiac involvement in patients with COVID-19 has been a concern since the pandemic’s beginning.4,5 Recent evidence shows that direct myocardial injury by the virus is less relevant than indirect lesions from systemic inflammation and hypercoagulability in these patients.6,7 Despite understanding these pathogenic mechanisms, the prevalence of myocardial involvement in COVID-19 remains debatable. Diagnosis of myocardial injury based exclusively on the elevation of serum biomarkers, such as troponin, may overestimate the number of cases.8,9 On the other hand, complementary methods such as cardiac magnetic resonance and endomyocardial biopsy are not always available to confirm cardiac damage.

Although the systematic review and meta-analysis by Barberato et al.3 certainly contribute to phenotyping the cardiac abnormalities in hospitalized patients with COVID-19, the findings raise other questions. For instance, would the cardiac damage correspond to pre-existing abnormalities or be a consequence of the SARS-CoV-2 infection? To answer this question, the authors reported a direct association between previous echocardiographic abnormalities and higher proportions of LV systolic dysfunction. However, it is essential to note that only 8 of the 38 studies (9% of all polled patients) described prior echocardiograms.

In addition, the meta-analysis’ findings underline other extremely relevant aspects. The heterogeneity of the studies was quite high, apparently not explained by the prevalence of pre-existing cardiovascular diseases or the proportion of patients on mechanical ventilation. This warning lack of homogeneity could be explained by other factors, emphasizing small sample sizes, differences between the echocardiographic protocols, and demographic and clinical singularities among the study populations.10 Furthermore, the graphical analysis strongly suggests the presence of publication bias in studies documenting RV systolic dysfunction, with a tendency for smaller sample size investigations to report a more significant proportion of this finding.

Finally, today we are faced with a quite different scenario from the one evaluated by the studies until the middle of last year: expansion of vaccine coverage, the appearance of viral variants, recognition of COVID-19 prolonged symptoms, and increased cardiovascular risk after the acute infection.1113 Therefore, new questions emerged, especially regarding the prevalence of heart injury in milder conditions, the cardiac involvement’s role in long-term COVID-19, and the predictive value of the myocardial damage related to the infection.14

During the data storm from the COVID-19 pandemic, the study by Barberato et al.3 fulfills its aim of guiding us towards more reliable conclusions. Furthermore, and equally relevant, it highlights the shortcomings and pitfalls of a rushing science. Further ahead, we now have the challenge of phenotyping the cardiac involvement in a new and already announced clinical and epidemiological scenario.

Footnotes

Short Editorial related to the article: Abnormal Echocardiographic Findings in Hospitalized Patients with COVID-19: A Systematic Review and Meta-analysis


Articles from Arquivos Brasileiros de Cardiologia are provided here courtesy of Sociedade Brasileira de Cardiologia

RESOURCES