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editorial
. 2022 Nov 1;119(5):791–792. [Article in Portuguese] doi: 10.36660/abc.20220715
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O Eletrocardiograma na População Pediátrica no Século XXI. Como Continuar Evoluindo após 135 Anos de História da Descoberta do Método

Rogerio Braga Andalaft 1,2,
PMCID: PMC9750202  PMID: 36453771

O conhecimento do eletrocardiograma permanece em constante evolução na prática médica. As novas interfaces de correlação do eletrocardiograma com as imagens cardíacas e alterações funcionais do coração propiciam o aumento da aplicabilidade do método. Entretanto, em crianças e adolescentes, a constante mudança gerada pelo desenvolvimento corporal e funcional destes jovens, muitas vezes geram dúvidas na interpretação dos traçados eletrocardiográficos mesmo nos profissionais mais experientes. Recentemente, dados importantes sobre a interpretação do eletrocardiograma (ECG) foram amplamente revisados nas IV Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Análise e Emissão de Laudos Eletrocardiográficos publicada em 2022.1

Mas qual é o papel do eletrocardiograma, em especial aplicado à pediatria, no século XXI? O que é normal para a criança? Qual é a prevalência das alterações do eletrocardiograma em assintomáticos?

Um estudo nacional utilizando o sistema de tele ECG na população pediátrica de 0 a 10 anos assintomáticos evidencia a presença de alterações eletrocardiográficas com possibilidade de repercussão clínica. Foram avaliadas 3.139 crianças entre 0 e 10 anos assintomáticas e observamos a presença de bloqueios atrioventriculares em 0,41% e 0,44% de síndrome de pré-excitação ventricular. O intervalo QTC prolongado foi observado em 0,35% da população da população estudada.2 Durante o Congresso Europeu de Cardiologia em 2022 Fuziy et al. apresentaram dados de mais de 11.000 adolescentes assintomáticos traçando o perfil eletrocardiográfico destes jovens. Foi observado 0,5% de arritmias cardíacas sendo em sua maioria arritmias de origem atrial. Alterações eletrocardiográficas com risco de arritmias graves foram 0,13% de pré-excitação ventricular e alterações de repolarizacão incluindo QT prolongado em 1,8% da população.3

O ECG também é fundamental durante a avaliação de emergência da criança nas unidades de pronto atendimento. Nestes casos a identificação correta de um traçado pode permitir o tratamento adequado e melhores resultados terapêuticos.4 Em nosso meio, a Diretriz Brasileira de Arritmias Cardíacas em Crianças e Cardiopatias Congênitas fornece um guia fundamental para abordagem dos distúrbios do ritmo nesta população.5

Dados da tabela de Davignon, principalmente sobre a FC média para cada faixa etária, podem estar certamente superestimados devido às técnicas de fixação dos eletrodos, choro, estresse de outra origem ou condições clínicas adversas que possam motivar a realização do ECG. A utilização da tabela de Davignon como referência dos ECG normais de crianças é baseada em levantamento de 2.141 crianças brancas sem alterações sintomáticas ou estruturais realizado na cidade de Quebec, no Canadá, publicado em 1979. Assim, traçar parâmetros de normalidade em crianças de outras etnias e fruto de miscigenação, podem evidenciar diferenças em relação aos relatos iniciais de Davignon.

A avaliação eletrocardiográfica de rotina assim como o teste da saturação em neonatos poderia ser utilizada de rotina nos primeiros meses de vida com o intuito de detectar precocemente alterações eletrocardiográficas envolvidas na síndrome de morte súbita no leito.

O uso de dispositivos (relógios e celulares) para detectar alterações do ritmo cardíaco nestes jovens também vem ganhando volume na produção científica mundial e podem ser aplicados à diferentes faixas etárias, incluindo neonatos. As alterações de ritmo baseados na análise do complexo QRS, mas não na onda P, não apresentam diferenças em relação ao ECG para análise de ritmo com uma factibilidade de realização de mais de 94%.6 As diferentes modalidades diagnósticas que utilizam o ECG como base (Holter, teste ergométrico, monitor de eventos, teste de inclinação e estudo eletrofisiológico, por exemplo) estão em constate ampliação de indicações na população pediátrica e nas cardiopatias congênitas.7,8

Apesar da extrema importância da abordagem clínica pura, esta muitas vezes não permite ao médico descartar alterações fenotípicas elétricas que podem resultar em eventos cardiovasculares na infância e adolescência.9 Realizar um ECG como rotina na prática médica permite identificar precocemente grande parte das canalopatias e também descartar alterações que podem se agravar durante a prática esportiva, e atividades adrenérgicas que podem colocar a vida destes indivíduos em risco. O ECG é um método de triagem de baixo custo e ainda permite a profilaxia de eventos súbitos, partindo do diagnóstico precoce, o que tem um forte impacto sobre a saúde de uma família ou uma comunidade.

Neste século, a utilização dos sistemas de telemedicina propicia o levantamento de grande número de exames em curto período e um retrato fidedigno dos padrões eletrocardiográficos normais e da densidade de alterações eletrocardiográficas assintomáticas na população pediátrica. O ECG, sem sombra de dúvida, é o método ideal de triagem em jovens para detecção de anormalidades elétricas e algumas alterações estruturais, pois possui rápida exequibilidade, baixo custo, amplo conhecimento técnico divulgado, e acessibilidade nos diversos pontos de nosso país. Ainda, o acesso a centros especializados em laudos eletrocardiográficos poderá detectar por meio da telemedicina alterações precoces em neonatos e lactentes, assim como condições de risco na avaliação pré-prática esportiva. Em um país de dimensões continentais onde 65% dos municípios de acesso mais remotos estão nas regiões norte e centro oeste do país, a telemedicina representa o encurtamento de distância e principalmente a possibilidade de diagnósticos mais precoces e ajustes terapêuticos mais adequados particularmente no que se refere as canalopatias na população pediátrica.

Frente ao exposto podemos concluir que após mais de 100 anos de existência o eletrocardiograma ainda não atingiu seu ápice, vem se expandindo em indicações e usos, mudando sua forma de análise e ampliando seu uso em populações especificas.

Footnotes

Minieditorial referente ao artigo: Avaliação Eletrocardiográfica de Recém-Nascidos Normais na Primeira Semana de Vida – Estudo Observacional

Referências

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Arq Bras Cardiol. 2022 Nov 1;119(5):791–792. [Article in English]

The Electrocardiogram in the Pediatric Population in the 21st Century. How to Keep Evolving after 135 Years of the Method Discovery History

Rogerio Braga Andalaft 1,2,

Knowledge of the electrocardiogram remains constantly evolving in medical practice. The new interfaces for electrocardiogram (ECG) correlation with cardiac images and heart functional changes increase the method's applicability. However, in children and adolescents, the constant change generated by these young people's body and functional development often generates doubts in the interpretation of electrocardiographic tracings, even in the most experienced professionals. Recently, important data on ECG interpretation were extensively reviewed in the IV Guidelines of the Sociedade Brasileira de Cardiologia on Analysis and Issuance of Electrocardiographic Reports published in 2022.1

But what is the role of the electrocardiogram, especially applied to pediatrics, in the 21st century? What is normal for the child? What is the prevalence of electrocardiogram changes in asymptomatic patients?

A national study using the tele ECG system in the asymptomatic pediatric population aged 0 to 10 years evidences the presence of electrocardiographic alterations with the possibility of clinical repercussions. A total of 3,139 asymptomatic children aged between 0 and 10 years were evaluated, and we observed the presence of atrioventricular blocks in 0.41% and 0.44% of the ventricular pre-excitation syndrome. A prolonged QTC interval was observed in 0.35% of the population studied.2 During the European Congress of Cardiology in 2022, Fuziy et al. presented data from more than 11,000 asymptomatic adolescents tracing the electrocardiographic profile of these young people. It was observed 0.5% of cardiac arrhythmias, mostly atrial arrhythmias. Electrocardiographic changes with risk of serious arrhythmias were 0.13% of ventricular pre-excitation and repolarization changes, including prolonged QT in 1.8% of the population.3

The ECG is also essential during the emergency assessment of the child in emergency care units. In these cases, correct tracing identification can allow adequate treatment and better therapeutic results.4 In our country, the Brazilian Guideline on Cardiac Arrhythmias in Children and Congenital Heart Diseases provides a fundamental guide for addressing rhythm disorders in this population.5

Data from the Davignon table, mainly on the average HR for each age group, can certainly be overestimated due to electrode fixation techniques, crying, stress from another source or adverse clinical conditions that may motivate the performance of the ECG. The use of the Davignon table as a reference for normal ECGs in children is based on a survey of 2,141 white children without symptomatic or structural alterations in Quebec City, Canada, published in 1979. Thus, tracing parameters of normality in children of other ethnicities and the result of miscegenation may show differences concerning Davignon's initial reports.

Routine electrocardiographic assessment and saturation testing in neonates could be routinely used in the first months of life with the aim of early detection of electrocardiographic alterations involved in sudden death in bed syndrome.

The use of devices (watches and cell phones) to detect changes in heart rhythm in these young people has also been gaining volume in the world's scientific production and can be applied to different age groups, including neonates. Rhythm alterations based on the analysis of the QRS complex, but not on the P wave, do not show differences concerning the ECG for rhythm analysis, with the feasibility of performing more than 94%.6 The different diagnostic modalities that use the ECG as a basis (Holter, exercise test, event monitor, tilt test and electrophysiological study, for example) constantly expand their indications in the pediatric population and congenital heart diseases.7,8

Despite the extreme importance of the pure clinical approach, it often does not allow the physician to rule out electrical phenotypic alterations that can result in cardiovascular events in childhood and adolescence.9 Performing an ECG as a routine in medical practice allows the early identification of most channelopathies and also discards alterations that can worsen during sports practice and adrenergic activities that can put the lives of these individuals at risk. The ECG is a low-cost screening method and allows for the prophylaxis of sudden events, starting with early diagnosis, which strongly impacts the health of a family or community.

In this century, telemedicine systems allow the survey of many exams in a short period and a reliable portrait of normal electrocardiographic patterns and the density of asymptomatic electrocardiographic changes in the pediatric population. Undoubtedly, the ECG is the ideal screening method for young people to detect electrical abnormalities and structural alterations, as it has rapid feasibility, low cost, extensive technical knowledge, and accessibility in different parts of our country. Furthermore, access to centers specialized in electrocardiographic reports can detect, through telemedicine, early changes in neonates and infants, as well as risk conditions in the pre-practice sports assessment. In a country of continental dimensions, where 65% of the most remote access municipalities are in the north and central west of the country, telemedicine represents the shortening of distance and the possibility of earlier diagnoses and more adequate therapeutic adjustments, particularly concerning channelopathies in the pediatric population.

Because of the above, we can conclude that after more than 100 years of existence, the electrocardiogram has not yet reached its peak; it has been expanding in indications and uses, changing its form of analysis and expanding its use in specific populations.

Footnotes

Short Editorial related to the article: Electrocardiographic Evaluation of Normal Newborns in the First Week of Life – Observational Study


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