Caro Editor,
Lemos com grande interesse o artigo: Razão Neutrófilo-Linfócito e Aterosclerose da Aorta Abdominal entre Indivíduos Assintomáticos que avaliou se a razão neutrófilo-linfócito (RNL) poderia estar associada a aterosclerose da aorta abdominal (AtAA). Foi demonstrada uma associação positiva entre o aumento da RNL e AtAA ao comparar portadores com não portadores da doença. Entretanto, ao se ajustar a análise estatística para idade e fatores de risco, essa associação não permaneceu verdadeira.1
Está melhor estabelecido na literatura que a RNL está associada a fase aguda da aterosclerose coronariana. Além disso, é sabido que o aumento do número de neutrófilos presentes na parede da aorta é significativamente maior nas placas instáveis, rotas e/ou recentes quando comparado aos ateromas estáveis fibróticos. Estes últimos apresentam redução não somente do número de neutrófilos, como também de células dendríticas e natural killer (NK).2
A adoção da ultrassonografia convencional apresenta sensibilidade de 62% para detecção de oclusões arteriais com volume inferior a 8mm4 e apenas 25% de sensibilidade para placas carotídeas instáveis.3,4 Tal técnica pode ter influenciado o resultado do estudo, haja vista que placas recentes em crescimento e placas instáveis não calcificadas podem não ter sido identificadas. Uma possível solução teria sido adotar outro método de triagem. A elastografia em tempo real apresenta uma sensibilidade de 50% para a detecção das mesmas placas instáveis, ou a associação de ambos os métodos – o que teria aumentado a sensibilidade para 62,5%.4 A adoção de um método mais sensível de triagem poderia não apenas identificar um número maior de pacientes com processo aterosclerótico em curso, como também detectaria ateromas recentes e/ou instáveis em maior número, o que alteraria de forma significativa a estatística final.
A aterosclerose pode acometer diferentes territórios vasculares com prevalências distintas. Mesmo os fatores confundidores bem destacados, deve-se notar a alta prevalência dessa doença em outras artérias, além da aorta, em indivíduos mais velhos. Pode-se questionar a possibilidade dos pacientes de idade avançada do grupo controle, aos quais a estatística foi ajustada para idade, apresentarem processo aterosclerótico para além da aorta abdominal. Este fator de confusão poderia ser evitado com a investigação da presença de aterosclerose em outras artérias, entrando como critério de exclusão, ou que a RNL fosse abordada como um possível preditor de aterosclerose sistêmica e não apenas da aorta abdominal.
Por fim, a proporção de sexo masculino nos quintis de RNL na tabela 1 é epidemiologicamente semelhante assim como entre aqueles com/sem aterosclerose na tabela 2. Como a amostra não foi selecionada aleatoriamente, isso pode retratar apenas um maior acesso ao exame preventivo pelo sexo masculino. O que ocorre também com a variável tabagismo atual. Soma-se a isso estatísticas analíticas ausentes da modelagem multivariada como indicadores de qualidade dos modelos ajustados que impedem uma interpretação crítica do leitor quanto a validade associativa informada. Estimativa de risco dos ajustes também melhoraria a interpretação dos modelos. Além disso, em estudos com dados de desfecho (aterosclerose) e independentes (RNL) coletados ao mesmo tempo (desenho transversal), o uso de regressões logísticas superdimensiona os estimadores intervalares como o IC95%, podendo ter ocorrido nos modelos 1 e 2. A melhor indicação nestas análises são as regressões de Poisson ou Cox adaptada.5
Referências
- 1.Marin BS, Ceseria F, Laurinavicius AG, Santos RD, Bittencourt MS. Razão Neutrófilo-Linfócito e Aterosclerose da Aorta Abdominal entre Indivíduos Assintomáticos. Arq Bras Cardiol. 2022;118(4):729–734. doi: 10.36660/abc.20201163. doi: [DOI] [PMC free article] [PubMed] [Google Scholar]
- 2.Van Dijk R A, Rijs K, Wezel A, Hamming J, Kolodgie FD, Virmani R, et al. Systematic Evaluation of the Cellular Innate Immune Response During the Process of Human Atherosclerosis. J Am Heart Assoc. 2016;5(6):e002860. doi: 10.1161/JAHA.115.002860. 5(6):e002860. [DOI] [PMC free article] [PubMed] [Google Scholar]
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- 4.Liu F, Yong Q, Zhang Q, Liu P, Yang Y. Real-Time Tissue Elastography for the Detection of Vulnerable Carotid Plaques in Patients Undergoing Endarterectomy: A Pilot Study. Ultrasound Med Biol. 2015;41(3):705–712. doi: 10.1016/j.ultrasmedbio.2014.10.007. [DOI] [PubMed] [Google Scholar]
- 5.Coutinho LMS, Scazufca M, Menezes PR. Métodos para estimar razão de prevalência em estudos de corte transversal. Rev Saúde Pública. 2008;42(6):992–998. [PubMed] [Google Scholar]