A insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER) é uma síndrome clínica complexa, caracterizada por sintomas de dispneia e de piora da capacidade funcional, resultantes da redução do débito cardíaco em pacientes que apresentam fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) ≤40%.1 A ICFER é um importante problema de saúde pública, sendo uma das principais causas de internação hospitalar, apresentando elevadas morbidade e mortalidade.2 Baseado em grandes ensaios clínicos randomizados, o tratamento básico de pacientes com ICFER até o final da década de 90 consistia de inibidor da enzima conversora de angiotensina (IECA) ou bloqueador da angiotensina (BRA), betabloqueador e antagonista mineralocorticóide. Após cerca de duas décadas, inicia-se então uma nova era no tratamento da ICFER a partir da publicação de ensaios clínicos randomizados de novas classes de drogas: inibidores da neprisilina e receptores da angiotensina, e os inibidores do co-transportador sódio-glicose 2 (ISGLT2).3 A partir dessas evidências, as diretrizes passam a definir os quatro pilares do tratamento da ICFER: IECA ou inibidores da neprisilina e receptores da angiotensina, betabloqueadores, antagonista mineralocorticoide e inibidores da SGLT2.1,4 Além do tratamento farmacológico, o implante do cardioversor-desfibrilador e a terapia de ressincronização cardíaca também estão indicados para pacientes com determinadas características clínicas.5
A fibrilação atrial (FA) e a ICFER apresentam fatores de risco comuns e frequentemente coexistem, levando, consequentemente, ao agravamento do quadro clínico e à piora do prognóstico das duas condições.6 O diagnóstico de FA em pacientes com ICFER está associado ao aumento da mortalidade. A ICFER é um fator de risco para o aumento da incidência de FA e está associada a maior risco de acidente vascular cerebral em pacientes com FA. A importância de se buscar estabelecer qual a melhor abordagem terapêutica para pacientes com FA e ICFER levou à realização de ensaios clínicos randomizados comparando as estratégias de controle do ritmo e de controle da frequência cardíaca. O estudo Dofetilide in Patient with Congestive Heart Failure and Left Ventricular Dysfunction (DIAMOND-CHF) comparou o uso de dofetilide com placebo em pacientes com disfunção ventricular. Na análise dos pacientes com FA, foi demonstrado que o uso do dofetilide determinou maior taxa de reversão e de manutenção em ritmo sinusal, porém sem efeito em relação à mortalidade total.7 Já o estudo Rhythm Control versus Rate Control for Atrial Fibrillation and Heart Failure (AF-CHF) comparou as estratégias de controle do ritmo (cardioversão e droga antiarrítmica, sendo amiodarona a droga de escolha) versus controle da frequência cardíaca em pacientes com FEVE ≤ 35%.8 A estratégia de controle do ritmo não demonstrou redução da mortalidade cardiovascular em relação ao controle da frequência cardíaca. Importante ressaltar que durante o seguimento, 58% dos pacientes no grupo controle do ritmo apresentaram recorrência de FA. De fato, a estratégia de controle do ritmo era pouco eficaz em realmente manter os pacientes em ritmo sinusal.
A partir do estudo pivotal de Haissaguerre, a ablação por cateter da FA evoluiu e se consolidou como a alternativa terapêutica mais eficaz para a manutenção do ritmo sinusal.9 Ao longo dos últimos anos, os resultados da ablação são cada vez melhores e a taxa de complicações graves progressivamente menor.10 Ablação por cateter para tratamento de FA em pacientes com ICFER foi avaliada em ensaios clínicos randomizados que mostraram benefício em qualidade de vida, em melhora da FEVE e da capacidade funcional e redução em de mortalidade.11-13 Posteriormente houve a publicação do estudo Catheter Ablation for Atrial Fibrillation in Patients with End-Stage Heart Failure and Eligibility for Heart Transplantation (CASTLE-HTx), confirmando o benefício da ablação por cateter com redução da mortalidade total.14 Os resultados destes estudos foram avaliados recentemente em revisão sistemática e metanálise.15 Em análise robusta incluindo 1055 pacientes, a metanálise demonstrou que a ablação por cateter em adição à terapia médica otimizada reduziu significativamente a taxa de hospitalização por insuficiência cardíaca, de mortalidade cardiovascular e de mortalidade por todas as causas. A redução do risco relativo para mortalidade total foi de 47%. Além disso, houve melhora da FEVE e dos escores de qualidade de vida. A consistência destes resultados fundamenta a recomendação das diretrizes mais recentes que indicam a ablação por cateter de FA como estratégia para controle do ritmo em pacientes com ICFER.16 O benefício obtido com a ablação é ainda mais significativo nos pacientes em que a FA é a principal causa da IC (taquicardimiopatia induzida por FA).
A utilização da expressão pilares de tratamento nos documentos de diretrizes tem por objetivo reforçar a adesão a terapias com sólida demonstração de benefício em redução de morbidade e mortalidade. A figura do pilar, como algo fundamental em uma construção, busca evitar a subutilização de terapias comprovadamente eficazes no tratamento de determinada condição clínica. Considerando-se as evidências atuais e a alta prevalência de FA na IC, a estratégia de controle do ritmo, incluindo a ablação por cateter em pacientes selecionados, pode ser recomendada como o quinto pilar do tratamento. Em outra perspectiva, a ablação também precisa ser cada vez mais considerada no manejo de pacientes com FA para evitar possível deterioração futura da função ventricular. O desafio passa a ser identificar os pacientes potencialmente elegíveis e oferecer de forma universal o acesso a este tratamento dentro do nosso sistema de saúde.
Footnotes
Fontes de financiamento: O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Vinculação acadêmica: Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
Aprovação ética e consentimento informado: Este artigo não contém estudos com humanos ou animais realizados por nenhum dos autores.
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